sábado, janeiro 08, 2011, posted by # 7 at 00:34

Lembro-me de quando era miúdo que, quando andava pela rua nas minhas brincadeiras (sim, porque tempos houve em que os miúdos iam para a rua brincar, sem os papás atrás, ou preocupados), havia sempre uma série de janelas nas quais se encontravam adultos debruçados. Uns olhavam e até interagiam com as pessoas na rua, outros fumavam o seu cigarro, outros, simplesmente ali estavam, pensativos, enquanto observavam o que se ia passando no exterior das suas casas.
Lembro-me também de, quando já era um pouco mais crescido, de pensar que aquela atitude era um desperdício de tempo.

Agora, as ruas tornaram-se mais movimentadas, os miúdos vão para os centros comerciais ou ficam em casa a jogar consolas, ou em frente ao computador e os adultos olham para uma outra janela. Uma janela que lhes traz mais do que o simples olhar para a rua. Imagens constantes e alternadas, movimento, entretenimento. Parece bom, não é?
As pessoas são agora sujeitas, ou melhor, sujeitam-se voluntariamente a uma espécie de lavagem cerebral de pequena intensidade e ficam estáticas a olhar para o seu televisor. Lá fora pode acontecer o que quer que seja, mas o importante é ver as tardes da não sei quantas, ou a praça das alegrias, ou as novelas do fazendeiro rico e da filha da tia da mãe do João do talho e tantas outras tretas, outros lixos visuais que moldam a mentalidade de tanta gente.

Dizem que as ruas estão perigosas, mas dizem-no porquê? Porque lhes aconteceu algo? Ou porque apareceu alguém na tv a dizer que assim é. E, mais uma vez, se aparece na tv é por que é verdade, certo?

O perigo é desculpa, o frio é desculpa, a chuva é desculpa, o calor é desculpa. Nada de ir à rua. Nada de estar à janela. Sentemo-nos e adoremos o nosso novo Deus. Aquele que não tem incertezas, que nos fornece toda a verdade. Desde a novela do vampiro, até ao reality show. Vale tudo para ficarmos de olhos vidrados na caixa de sonhos.

As janelas estão vazias, embora as ruas estejam mais agitadas, fazendo com que haja mais para ver. Mas nenhuma realidade é suficientemente forte para combater a força dominante de um ecrã aceso.
 
Emanuel Simoes

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