Tanto frio que sinto. Estranho.
Quer-me parecer que não sei onde estou.
Oiço sons abafados, choro, gritos. Sinto que sou puxado para fora de mim mesmo, como que se o meu interior espiritual estivesse a ser sugado por uma qualquer força desconhecida.
Sinto-me a abandonar o meu corpo físico, a flutuar, sem forma de controlar o meu destino.
Subitamente, fico estável no ar. Por baixo de mim, a enorme e negra caixa de madeira em que descansa o que outrora foi o meu derradeiro transporte neste mundo, o meu corpo.
Descubro agora a origem dos sons, dos gritos. Meus pais, irmãos, família e até alguns amigos, fitam o chão molhado pela chuva que insiste em cair. Uns mais serenos, ainda que sérios. Outros gritando, chorando, abraçando-se mutuamente.
Estranho, nunca pensei que a morte fosse assim.
O frio passou quando a transição ficou completa. Nada mais sinto. Apenas a emergente vontade de me dirigir a esta insistente luz que me acompanha, olhe eu para onde olhar.
Fito mais uma vez a minha família, os meus mais que tudo. E aí, nesse preciso momento, sinto dor. Sinto vontade de chorar, revolta.
Mas sei que nada há a fazer.
Olho-os nos olhos e abraço-os mentalmente.
Amigos, família, não chorem, não sofram. A minha hora chegou e cá vos espero.