Calma. Relaxa. Deixa fluir os acontecimentos. Em breve tudo acabará.
A dor? Não ligues. É passageira. O sangue que te cobre? Sim, é teu. E meu. Pertences-me agora. O teu corpo mutilado é meu, a tua alma pertence-me, o teu destino sou eu que o traço. Termina aqui e agora, a tua vida, os teus sonhos. Eu decido.
Estou tão feliz. És a minha primeira. Vou sempre recordar-me de ti, enquanto te inflijo cortes precisos e me delicio a ver-te contercer de dor. Calma, em breve tudo passará. A dor acabará e terás a honra de ter sido a número um, a origem de tudo, o princípio do mal.
Ou serei eu o princípio de toda esta maldade, de toda esta malvadez? Talvez sejamos os dois. Sim, os dois, o momento, o aqui e agora. É este preciso momento que determinará o mal que se avizinha.
Calma. Não precisas dos teus dedos para onde vais. Não grites. Não te esforces. Só causará dor inútil, se bem que gosto tanto da tua expressão enquanto sofres.
Calma, não invoques o teu deus. Achas que ele aí vem? Achas que um milagre te salvará? Mesmo que tudo parasse agora, serias capaz de viver com esse rosto desfigurado? Com essa bela obra que tive o privilégio de criar? Mutilada, desfigurada, transtornada, não viverias muito. Ninguém aceitaria mais um monstro. Acredita, sei o que digo. Não me aceitaram a mim. Sou mais um monstro. Um montro que teve a sorte de te encontrar. De se cruzar no teu caminho.
Estou tão relaxado e ao mesmo tempo excitado. Estranha sensação. Estou a perder a virgindade do sangue.
Vou sempre ter-te no pensamento. A minha primeira obra.
Vou abrir-te o corpo agora, libertar a tua alma, para que ela se eleve para sempre e deixe este triste mundo. Cruel não é? Um local onde a todo o custo tentamos extinguir a nossa própria raça. Talvez eu esteja apenas a ser o que todos querem que seja. E sabe tão bem sê-lo. Nunca pensei que gostasse tanto de ter poder absoluto sobre outro ser humano.
Não grites mais. São mudos os teus gritos. Talvez nem te tenhas apercebido, mas há muito que gritas e não emites qualquer som. O pânico é magnânime de se ver.
As lágrimas de sangue vertem, maravilhosas, espessas. O suor funde-se com o sangue, com a sujidade.
Relaxa, em breve estarás livre.
Pronto, o gume afiado já está em ti, finalmente. Vês? Não foi assim tão mau. Eu disse que terminaria em breve.
O teu corpo ainda tem espasmos. Será que alguém ainda te poderia salvar? Parece que não. Não oiço nada, nenhum cavaleiro encantado, nenhum deus furiosamente justo.
Termina finalmente. Foi breve. Talvez não para ti, mas para mim, foi curto demais.
Foste a minha primeira, a minha obra prima.
Vou sempre lembrar-me de ti.