domingo, fevereiro 28, 2010, posted by # 7 at 01:42
 


Não consigo alcançar qual a parte desta frase que é complicada de entender: "Um minuto de silêncio.". Ora "um", é referente à quantidade, "minuto", é aquele espaço de tempo que demora invariavelmente 60 segundos e "de silêncio" é isso mesmo, refere-se ao acto de estar em silêncio. Difícil? Não, pois não?
Então porque raio insistem as pessoas em desrespeitar o acto que, por norma, simboliza uma prestação de condolências a um indivíduo em particular, comunidade afectada por um qualquer acontecimento trágico ou outra ocorrência triste? Porque se batem palmas, fazendo com que o "minuto de silêncio" seja tudo menos de silêncio? Pior. Porque existem pessoas que, até se levantam dos seus lugares e permanecem de pé no decorrer desses 60 segundos, mas continuam a falar, a coscuvilhar e até mesmo a dizer gracinhas?  

A mim quer-me parecer que esta atitude torna toda a ideia central do acontecimento, não numa prestação de homenagem, mas numa total falta de respeito por que se pretende homenagear. É nitidamente mais uma demonstração pública de egoísmo do ser humano. Ou seja, se fosse comigo, gostaria que prestassem igualmente uma homenagem deste tipo, mas até nem foi e o problema não me afecta. Por isso, vou continuar a falar, a cantar, vou bater palmas porque fica bem, enfim. Se fosse para bater palmas, não se designaria ao acto "minuto de palmas"? Se calhar é uma ideia a ter em conta, mas, a mim, que devo ser asno por pensar de modo diferente dos outros, parece-me que os aplausos são um gesto nitidamente comemorador e eu não gostava que comemorassem a minha morte. Não precisam de chorar, mas também não precisam de comemorar.

É simples, basicamente. Não aplaudam, pois o minuto é de silêncio, não falem, pois o respeito é muito bonito, não cantem e riam, pois as desgraças que hoje são dos outros, poderão ser as nossas, amanhã.

Basta respeitar, por um mísero minutinho. Difícil, não é?
 
terça-feira, fevereiro 16, 2010, posted by # 7 at 00:37
A estranha silhueta de um corpo curvado dobra a esquina, lentamente, cambaleante. Aproxima-se de mim, sem pressas, sem hesitação. Sinto que algo de mau se avizinha, um arrepio sobe-me pela espinha, fico tenso pela expectativa. 

Ostenta vestes negras, esta estranha figura que se avizinha do meu ser. Um longo e gasto manto negro, com um sinistro capuz a cobrir-lhe a cabeça. É uma mulher, concerteza. Ou um homem muito debilitado, dada a fraca figura que aparenta ter.
Arrasta o pé, ou a perna esquerda, como que se estivesse ferida. Agora que olho melhor, sim, deve estar ferida, pois observo um fino traço de líquido vermelho e espesso que teima em escorrer dessa mesma perna. Sangue, com toda a certeza.

Sinto que devo prosseguir com o meu caminho, afastar-me de tão estranho ser, mas não consigo. Algo inexplicável me obriga a permanecer imóvel neste canto frio em que me encontro, aguardando pelo inevitável encontro com tão macabra personagem.

No meio da escuridão que cobre o seu rosto, consigo vislumbrar um estranho e hipnotizante brilho, o brilho dos seus verdes olhos.
O som da sua perna deficiente a arrastar-se nas frias e húmidas pedras da calçada é cada vez mais presente, ensurdecedor mesmo, arrepiante.

Quando está bem perto de mim, pára, a um metro de distância, como que a observar, a avaliar.
Pergunto se precisa de ajuda, se tudo está bem. Silêncio.......silêncio é a minha resposta.

Apesar da estranheza, da sensação de perigo eminente, algo em mim apela à paz, ao conformismo, à aceitção. De quê? Não sei responder, explicar. 

Observo em câmara lenta, como que se estivesse sob o efeito de uma qualquer droga, enquanto uma brilhante e afiada lâmina se revela, vinda de trás das suas vestes negras. Fito-a nos olhos. Sim, é uma mulher, sem dúvida. Consigo ver-lhe a face, enrugada, desgastada pelo tempo. O corpo curvado corresponde perfeitamente ao rosto que agora observo, velho, feio, triste. Apenas os seus olhos verdes detém o vestígio do que antes foi jovem e imaculado.

A lâmina apresenta-se agora completa, imensa e magnânime, diante de mim. Apenas por breves instantes, pois segundos depois, sinto-a, fria e cruel, a penetrar-me, violando o meu corpo, retirando a vida que há em mim. E enquanto a lâmina entra em mim, olho naqueles verdes olhos e apercebo-me de que o corpo daquele estranho ser que me mata, deixou de ser curvo, velho. A sua face começa a apresentar traços definidos de uma jovem rapariga. Apenas os seus olhos se mantêm inalteráveis. Os seus verdes olhos, assassinos olhos, que me sugam a vitalidade, com tanta intensidade quanto a da lâmina que me trespassa.

Estranhamente sinto-me em paz, sinto tranquilidade como nunca antes havia sentido.
A beleza que se escondia por trás da velha carcaça liberta-me lentamente e eu agradeço.

Uma lágrima começa a escorrer e um sorriso é visível na minha face. 

Chegou a minha hora.
 
terça-feira, fevereiro 09, 2010, posted by # 7 at 14:53

 

Não sei de onde veio este sentimento, esta necessidade de competição, de esforço, de dar o meu melhor, mas, verdade é que, cada vez mais, me custa passar sem ele. Estou viciado, agarrado. Sempre que termino uma prova, há algo dentro de mim que parece querer explodir, uma felicidade inexplicável derivada à adrenalina que me rodeia. É quando mais me sinto vivo, quando mais me apetece sorrir e dizer que estou feliz por cá estar.

Desta vez foi o duatlo das Lezírias (mais um), em Vila Franca de Xira. Correu bem. Talvez pudesse e devesse ter forçado mais um pouco nos segmentos de corrida, mas, ainda assim, estou contente com a minha prestação.

Assim que acabei o percurso final de corrida, senti-me como se estivesse a flutuar. Tal era a sensação de bem estar, que não me lembro se tinha frio, se tinha calor, se tinha dores ou não. Estava sozinho, no meio da multidão e sorria. Como se fosse um louco fugido do hospício. Mas não me importei com isso, com o que os outros poderiam pensar ou não de mim. Apenas me preocupei em usufruir do momento, em tirar todo o partido do bem estar que sentia na altura, até porque não é sempre que me sinto assim.

Deve ser isto que os toxicodependentes sentem, quando se envenenam com as suas substâncias químicas. Claro que não falo do sentimento na hora, mas sim do facto de se tornar adictivo. Acabo uma prova e penso logo na próxima. Adoro a dor que se faz sentir quando os músculos arrefecem, o cansaço no final do dia, a lembrança dos pormenores do que passei. 

É tão estranho, que se torna difícil de explicar. Mas tenho que admitir que, as poucas vezes em que realmente me sinto vivo, são experenciadas após estes meus esforços físicos.

É a dor que me traz o prazer.
 
sábado, fevereiro 06, 2010, posted by # 7 at 16:38

Onde pertenço eu afinal? Para onde me devo dirigir quando sinto que estou mal? Esta dúvida assombra-me todos os dias da minha vida, pois, na verdade, nunca me sinto como pertencendo a lado algum. Nunca me sinto integrado em parte alguma e parece-me difícil que algum dia venha a ter tal sensação.

É estranho, eu sei. É estranho dizer que se está mal, sem ter soluções para contrariar esse mal estar. É como se eu fosse de outro mundo, de outro local, bem distante daqui, bem diferente.

Sinto-me preso, todos os dias, todas as horas. A minha energia parece fugir de mim e eu nada posso fazer. Apenas observar enquanto morro lentamente, sem qualquer objectivo a alcançar, sem destino onde chegar.

Traço as metas, proponho-me a atingi-las, mas, quando lá chego, a sensação de vitória é rapidamente sobreposta pelo vazio que torno a sentir. Nunca estou feliz com coisa alguma.
Por vezes, parece que o tempo pára. Não no geral, mas só para mim. As pessoas em meu redor continuam nas suas vidas, o mundo segue o seu ritmo normal e banal, mas eu sinto-me como que em estado vegetativo. Não estou ali, naquele momento. Parece que a minha alma abandona o meu corpo e se refugia num local secreto que, conscientemente, não sei explicitar ou precisar.

Tudo o que sei é que não há momento algum em que me sinta uno com o meio em que estou inserido, com a própria raça. Não gosto de ser humano, da carne, do osso, do sangue. Não gosto das fraquezas que temos, que vamos adquirindo. Da inevitabilidade da extinção, da ganância, da mesquinhice e da avareza. Tantos são os defeitos, tantas são as razões que me levam a repudiar a minha própria raça.


Sim, quando estou com quem amo, com quem gosta de mim, sinto-me bem, sinto conforto. Mas seria mentira dizer que me sinto pleno. Preciso de correr sempre atrás de algo. Do quê, não sei, mas tenho essa necessidade crescente de ambicionar mais e mais.

Gostava de olhar para cima e voar, voar em direcção a nada, sempre com mais velocidade, com mais convicção. Convicção em saber que nada sei sobre mim mesmo.
Afinal, se me sinto mal onde deveria pertencer, onde pertenço eu?
 
Emanuel Simoes

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