domingo, maio 20, 2012, posted by # 7 at 22:39

"Estupidamente deliciosa."

Abro os olhos e estou só. A noite está como estava naquele dia, agradável, nem quente nem fria. 
Ainda assim estou a suar com tanta intensidade, que pareço acabado de sair do banho.
Aquela voz continua a assombrar-me, noite após noite. Aqueles olhos de brilho negro continuam a procurar-me, a fazer-me sentir toda a dor que senti naquela praia.

E eu continuo a sofrer, noite e dia, pela minha perda. E principalmente por tudo ter caído no esquecimento, num imenso vazio de incompetência e desdém.
Ninguém quis verdadeiramente saber do que aconteceu, ninguém se dedicou verdadeiramente a tentar descobrir o que esteve por trás de tamanha brutalidade, aplicada a mim e, principalmente, a ela.

Na verdade, nem eu mesmo me esforcei o suficiente. E é por isso que me sinto a desvanecer, que me sinto um traste.
Entrego-me a tudo o que me possa fazer afastar o pensamento daquele dia, quando na verdade deveria fazer o contrário.
Mas sou fraco, não consigo.

Noite após noite, aquela voz rouca me acorda e me leva de volta ao local onde tudo aconteceu. 


É tarde. Estou num dos bares a que me acostumei a ir, afogando-me em álcool, na esperança de que desmaie rápido e tudo desapareça. Mesmo que momentaneamente.
Porém, algo me despertou do meu estado catatónico. Algo com mais força que um coice de um cavalo, que um choque de alta tensão. Uma voz rouca, uma voz terrivelmente familiar.
"Meu amigo, esta cerveja está estupidamente deliciosa. Ah ah ah.".
Creio ter mudado bruscamente de cor, pois tive a nítida sensação de que o meu sangue parou de circular por momentos.
Olhei para o lado e o terror ocupou-me a alma. Aqueles olhos, aqueles olhos negros de brilho maquiavélico...estavam ali, ao meu lado.


Não demorou para que ele notasse os meus olhos nos seus. "Há azar, companheiro? Temos pena mas não dou para esse lado, ó panasca. Por isso desolha, se não queres chatices.".


Tive que me recompor, não deixar que os sentimentos iniciais tomassem conta das minhas atitudes.
Voltei a olhar em frente, bebi o que restava da minha bebida e preparei-me para sair.
Antes, olhei em frente, para o espelho do bar. E vi que uma lágrima escorria pelo meu rosto. Limpei-me e saí. Ali não era o meu lugar.
 
Emanuel Simoes

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