sexta-feira, maio 18, 2012, posted by # 7 at 00:13

A noite estava extremamente agradável, uma noite de Verão, suavemente arrefecida por uma calma brisa que se fazia sentir.

Estávamos apenas os dois, sentados na areia, a ouvir o reboliço do oceano. Sós naquela enorme praia que mais parecia um deserto negro.

Não precisávamos de falar, pois entre nós não existiam silêncios desconfortáveis. Aliás, preferíamos os silêncios de cumplicidade a conversas fúteis desprovidas de qualquer significado.

Estávamos perfeitamente sintonizados.

Até que nos apercebemos de que o deserto negro ão estava assim tão deserto. Sem que percebesse bem de onde veio, senti uma forte pancada na cabeça e tudo em meu redor se tornou estranho e distante. Como que se tivesse sudo abraçado por uma névoa alucinogénica que toldava o mundo, o discernimento, os movimentos. 

Ouvi os gritos dela, que rapidamente foram abafados por uma luva negra. Ouvi também uma voz masculina, mas não consegui entender o que dizia, não consegui entender nada. Nada, a não ser que ela precisava de ajuda, precisava de mim. Mas o meu corpo simplesmente não respondia à minha mente. E assim fiquei, inerte, quase sem reacção.

Fechei os olhos, pelo que me pareceu apenas um breve momento. Mas na realidade, não sei se foi por dois segundos, se por duas horas.

Senti a minha cabeça a elevar-se e vislumbrei o brilho dos olhos que me fitavam. Não eram os dela. Eram escuros, carregados de violência.

Já não se ouviam gritos nem gemidos. Apenas o mar a castigar o areal com as suas sucessivas investidas.
"Estupidamente deliciosa.", sussurrou-me uma voz rouca ao ouvido. Um bafo fétido saiu da boca que proferiu tais palavras, repugnante mesmo.

De novo senti a cabeça a tombar por terra e de novo fechei os olhos. Só que desta vez, claramente por muito tempo.

Mais uma vez, o suave e calmante som das ondas fez-se ouvir. Com ele, o calor dos raios do Sol matinal, suficientemente fortes para me fazerem abrir os olhos.
Sentei-me na areia, olhei para o lado e senti o terror a invadir todos os meus poros, todo o meu ser, inundando a minha alma de angústia. Ela estava a meu lado, com as vestes estralhaçadas, o rosto marcado e inchado, claramente sujeito a uma violência desmedida. Os seus olhos estavam bem abertos, mas já não existia vida neles, o seu brilho havia desaparecido.

Por mais que a abraçasse e a tentasse aquecer com o meu corpo, por mais que chamasse o seu nome vezes e vezes sem conta, no meu íntimo, soube desde o primeiro olhar que a havia perdido para sempre. E ela era tudo o que eu tinha na vida. Ela era a minha vida.

Aquele deserto que tinha passado de negro a luminoso, era agora o palco do maior desgosto jamais sentido por um ser-humano. O que há algumas horas parecia ser um sonho, era agora o pior dos pesadelos.

A vida fugiu-me por entre as mãos, tal como os finos grãos da areia desta praia fariam, caso os segurasse.


Tudo terminou para mim.
 
Emanuel Simoes

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