A porta está fechada, trancada. Aproximo-me lentamente e silenciosamente, ainda que os meus passos sejam bem audíveis. Melhor. Quero que saibas que estou a chegar. Que o fim se aproxima.
Encosto o ouvido à porta e sorrio com a antecipação do que está para vir. Ouço claramente a tua respiração ofegante do outro lado. Provavelmente estás escondido debaixo da cama, dentro do armário, melhor, atrás da cortina da banheira. Tão Pshico.
Rodo gentilmente a maçaneta. Sem luvas, sem medo do que há-de vir quando tudo acabar. Parece que te trancaste aí dentro.
Onde será que está o valente que se escondia por trás de falsos amigos, amealhando inimigos atrás de inimigos. Onde estão os teus amigos agora? Ah, é verdade, matei-os. Esventrei-os e lambi-lhes as entranhas enquanto os seus corpos moribundos ainda se moviam com os espasmos. O seu sangue era quente e aconchegante, adocicado mesmo.
Mas fui benevolente contigo. Deixei-te observar, todos os pormenores, todas as incisões. Quem é amigo? Deixei-te fugir, ou melhor, deixei que tivesses a ilusão de poder fugir.
Óbvio que, como bom macaco amestrado, fizeste exactamente o que estava previsto. Rastejaste para o buraco imundo, impregnado de fezes e doença, a que chamas de casa. Esse antro escuro e nauseabundo onde te deitas noite após noite, num colchão que serve de casa para os ratos que vagueiam livremente por todas as divisões quando te encontras fora, armado em deus na terra.
Porta trancada. O que fazer? Ups, parece que o idiota aqui tratou de arranjar uma chave enquanto elaborava todo este plano.
Enquanto introduzo a chave na ranhura, noto claramente que a tua respiração aumenta de intensidade. Gostava de te dizer para teres calma, que tudo seria rápido e indolor. Mas infelizmente estaria a mentir. Quero que sintas pânico. Quero que saibas que vais sofrer como nunca, que me irei saciar no teu sangue e te forçarei a observar o teu interior, antes de te arrancar os olhos.
A minha faca ainda pinga, embora o sangue dos teus valentes amigos comece já a secar.
Quando abro a porta constato que ou és mais valente do que eu pensava, ou és burro mesmo. Nem uma tentativa de fugir pela janela, nem uma tentativa de te esconderes por baixo de algo. Ali estás, em pé, lágrimas a correrem-te pelas faces e as duas únicas palavras que te saem dessa imunda boca de hálito fedorento são "Por favor". Fazes-me lembrar de mim próprio, quando me confrontavas com os teus companheiros e eu dizia; "Por favos, já chega.". Na altura não me ligavas muito. Talvez seja melhor fazer o mesmo em relação a ti.
Olha, tens um canivete. E agora? Devo fugir amedrontado, ou encarar-te? Bem, a minha faca tem uma lâmina bem maior. Deixa-me experimentar algo.
Desfiro um golpe duro e seco e decepo-te a mão com que seguravas a ridícula navalha. Gritas, grunhes. Pareces um porco agarrado ao coto que espicha sangue, tal qual uma pequena fonte, daquelas que ficam tão bem a enfeitar qualquer sala hoje em dia.
Os teus gritos são música para mim. Por falar em música, perfeito. Vejo que tens um sistema de som todo janota.
Um cd de Diana Krall? Deve ser para dares um ar de culto, quando pagas às prostitutas para cá virem a casa.
Belo som, contrasta com os teus gritos agonizantes. Gosto tanto de contrastes.
Introduzo a ponta afiada da faca na parte interior do teu braço esquerdo e rasgo completamente o músculo. Gritas ainda mais e eu rejubilo. Vou picando e picando, cada vez com mais força, cada vez mais fundo. Mas sem nunca correr o risco de desmaiares. Tens que estar acordado para o fim. És um priveligiado mesmo. Quantos sabem exactamente quando vão morrer?
Tentas fugir, ridiculamente. Cambaleando pela sala, como um coxo que tenta correr. Agarras-te à janela da sala, apenas para deixar a marca da tua mão ensaguentada, pois já não tens força para a abrir.
Gosto de contrastes, mas também gosto de simetria. Por isso, arranco-te a outra mão e peço-te para me esmurrares, em nome dos bons velhos tempos. Só que não o fazes. Não consegues.
A tua casa, se é que se pode chamar casa a este buraco, já é mais sangue que outra coisa enão tardará até que percas os sentidos, por isso, vamos a isso.
Enterro a faca bem fundo, por baixo da barriga e subo. Bela faca. Parece que corto manteiga.
Tens uma expressão de horror digna de um filme. Belo. Parabéns.
Enquanto vou subindo, os teus olhos abrem-se mais e mais. É isso mesmo que quero. As primeiras entranhas começam a cair e apresso-me a segurá-las e a colocá-las de fronte dos teus olhos para que conheças o teu podre interior. Cheiras mal por dentro, mas ainda asim provo algum do teu sangue. Percebo que ainda viste algo, pois a tua expressão continua a mudar.
Subitamente cais. Espero que tenhas sofrido. Muito.
Retiro-te os olhos das órbitas e coloco-os virados para ti. Para que vejas onde a tua vida te levou. À tua morte.
Foi um bom dia. Talvez vá tomar um banho de emersão, beber um copo de vinho e ouvir um som.