segunda-feira, março 02, 2009, posted by # 7 at 21:49
Acordo. Sento-me na beira da minha cama. Grande, fria, vazia.
Algo estranho está a acontecer. Não sei se é dos meus olhos, não sei se estou a sonhar.
Vejo tudo em tons de cinza, com pequenos rasgos de névoa a flutuarem fantasgoricamente em todos os cantos.

Procuro, em vão, por vida em meu redor. Sinto-me como numa cidade fantasma, daquelas que nos preenchem o imaginário "farowestiano" e que muitas vezes são retratadas em filmes depressa esquecidos.

Tenho o corpo frio e no entanto duas gotas de suor correm pelo meu peito abaixo, como que numa corrida desenfreada para determinar qual dos dois desaparecerá primeiro. Resolvo levantar-me e tentar averiguar o que se passa. Sonharei? Será tudo produto da minha imaginação? Deve ser, pois não consigo definir se tenho frio ou calor, não sinto dores nem fome. Ainda assim, por muito que tente, não consigo acordar. Tenho dúvidas.
Na rua o ambiente é o mesmo. Tudo é cinzento e esta estranha névoa insiste em se fazer notar.

Quando inspiro o ar corta-me por dentro, como se as minhas entranhas estivessem num misto de gelo e fogo, agulhas e lâminas que dilaceram toda a carne que encontram no seu caminho.
Porém só dura por breves momentos, essa estranha sensação. Cada vez mais me sinto perdido e só.

Os carros passam em camera lenta e aparentam não ter ninguém lá dentro. Nas ruas não há movimentos humanos. Ninguém. Estranho.

Começo então a andar, andar sem destino, sem traçado definido, à procura de uma qualquer resposta a uma pergunta que não quero fazer.
Subitamente começo a vislumbrar edifícios em chamas, corvos em elegantes círculos por cima da minha cabeça, cães que ladram ferozmente embora não produzam um som que seja.
Resolvo começar a correr. Correr como se estivesse a treinar para uma prova importante, correr como se não houvessem limites físicos. Rapidamente me apercebo que o esperado cansaço não se abate sobre mim. Por mais que corra, não existem dores, não há dificuldade em respirar.

Porém também constato que por mais que me esforce, não saio da mesma cena. Os corvos continuam a pairar por cima de mim, os cães continuam a ladrar silenciosamente, embora agora pareçam estar a ingerir uma qualquer substância putrefacta, tipo carne rasgada e dilacerada, de aspecto horrível. Os prédios ainda ardem, os automóveis continuam a mover-se de modo fantasmagórico e eu pareço não ter para onde ir.


Ainda assim corro, corro em frente, corro com firmeza e determinação.

Começo a lembrar-me das pessoas que conheço, da minha família. Que será feito deles?

Sem que perceba porquê, o chão debaixo dos meus pés começa a desaparecer. A desintegrar-se como se fosse puxado por um buraco negro.
Caio. A queda é intensa e dura muito tempo. Visualizo ruínas de casas outrora habitadas por famílias felizes, cadáveres por identificar nas bermas das estradas. Vejo carros acidentados, animais petrificados, crianças a chorar. E então choro também. Choro com tanta força que começo a gritar. E quando grito, acordo. Levanto-me repentinamente e abro a janela, na esperança de ver o Sol e constatar que tudo foi um sonho mau, mas tudo o que vejo é uma árvore seca. Rodeada de corvos de olhos vazios e frios.

Olho para trás e vejo-me a mim mesmo, deitado na cama, a dormir profundamente, enquanto labaredas de fogo dominam a divisão, dançando num macabro ritual, como se a avisar que a morte chega.
Apercebo-me então que estou preso no meu próprio pesadelo, que a névoa veio para ficar, as chamas irão arder eternamente e ficarei para sempre em busca do meu lugar.
 
1 Comments:


At 5 de março de 2009 às 18:37, Anonymous Anónimo

Em vez de corvos, tente ver pombas!

 


Emanuel Simoes

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