Todas as manhãs, ao acordar, ela mantinha-se deitada, de olhos abertos, durante dois ou três minutos.
Passado esse tempo, suspirava e levantava-se. Arrastando os pés, dirigia-se à casa de banho, cabisbaixa.
Olhava para o espelho, primeiro fixando-se no seu próprio olhar, para depois percorrer com os olhos os contornos do seu corpo. "Odeio-te", dizia para si mesma. "És uma baleia, uma gorda", e enquanto se lamentava pelo corpo que tinha, ia tocando na sua flácida barriga, nos seus flácidos braços, olhando para as suas rechonchudas pernas.
Lavava-se, perfumava-se, vestia-se e ligava o seu computador pessoal. Na sua rede social de eleição postava várias vezes o mesmo: "Hoje é almoço no Mac, porque eu mereço.", "Logo, encontro no Pizza Hut, para celebrar a vida", "Lanche hoje é na minha casa. Bolos e bolinhos para todos.".
Depois saía. Fazia o que tinha a fazer, sempre com as horas das refeições em mente e, chegada a hora mágica, empanturrava-se em açúcar e gordura. Apenas para mais tarde lamentar ser quem era.
Naquele cérebro, aparentemente, nunca passou a ideia de que para mudar é preciso agir. O grande e amarelo M foi sempre mais forte, mais saboroso.
Um dia, a ironia fez-se sentir. Ao passar a estrada, enquanto trincava alegremente mais um hambúrguer do dia, o tamanho do alimento era de tal ordem que não a deixava ver bem para onde ia. Foi mortalmente atropelada, tendo o seu corpo ficado repleto de uma osmose de sangue, carne de vaca (supostamente) e molhos diversos que acompanhavam o seu gordurento repasto.
O veículo que a atropelou ficou totalmente destruído na parte frontal e o rapaz que o conduzia era funcionário da sua preferida cadeia de fast-food. Ironia levada ao expoente.
O jovem saiu do carro, olhou para ela, depois olhou para a sua viatura e disse: "Foda-se, a gorda fodeu-me o carro todo.".
O jovem saiu do carro, olhou para ela, depois olhou para a sua viatura e disse: "Foda-se, a gorda fodeu-me o carro todo.".
Pela manhã, ele seguia aquele seu estranho ritual. Colocava-se em frente ao espelho e fazia aqueles movimentos recorrentes dos praticantes de halterofilismo. Tentava que os seus bíceps se evidenciassem, que os seus peitos sobressaíssem. Vestia daquelas camisolas de alças típicas de quem frequenta ginásios de musculação. Fazia cara de mau e sorria. No entanto, pesava 58 kg e era apelidado de "esparguete".
Nesta manhã em particular, estava mais mal disposto que o habitual. No dia anterior, pouco depois de sair do seu emprego, atropelou mortalmente uma jovem de grandes porporções que lhe danificou severamente o carro, deixando-o a pé.
"Estúpida da gorda. Além de se meter à minha frente e me ter lixado o carro, ainda bateu a bota. Agora é tribunal para aqui, bófia para ali...".
Nesta manhã em particular, estava mais mal disposto que o habitual. No dia anterior, pouco depois de sair do seu emprego, atropelou mortalmente uma jovem de grandes porporções que lhe danificou severamente o carro, deixando-o a pé.
"Estúpida da gorda. Além de se meter à minha frente e me ter lixado o carro, ainda bateu a bota. Agora é tribunal para aqui, bófia para ali...".
O seu quarto estava repleto de posters de indivíduos musculados, praticantes de artes marciais e outros tipos de luta. Na rua, dizia a todos ter um problema hormonal que não o deixava ficar em forma, mas que frequentava assiduamente o ginásio, onde era dos que levantava mais peso e onde frequentava igualmente três tipos de aulas de lutas.
Era arrogante e, apesar de ser uma fraca figura, estava sempre a tentar criar conflitos com quem quer que fosse, refugiado no facto de ter amigos que lutavam as suas lutas por ele.
Um dia, espancou um velhote, por este ter olhado para ele, olhos nos olhos, enquanto caminhava na rua. Foi a única vez que espancou alguém com as suas próprias mãos. Um velhote.
As poucas mulheres que conseguia atrair (mais pelo medo do que por outra coisa) eram mal tratadas e humilhadas por ele.
Continuou sempre a dizer que era forte, grande atleta, quando na verdade, tudo o que fazia era criar conflitos para os outros resolverem e gabar-se de ser o melhor no ginásio, quando nem sequer frequentava um.
Um dia, enquanto andava na rua e mandava piropos estúpidos e arrogantes a duas meninas que vinham da escola, um camião de artigos desportivos despistou-se e ele foi esmagado por mais de uma centena de barras de musculação. Aparentemente, um pouco mais de peso do que poderia aguentar.
A língua é um músculo poderoso. Faz de nós quem somos, quem não somos e quem gostaríamos de ser. Mas se não passarmos das palavras à acção, acabaremos esmagados pelos sonhos que não nos atrevemos a tentar alcançar.