Olha-me nos olhos e diz que não me temes. Mas di-lo apenas se o sentires, pois algo em mim me sussurra aos ouvidos que receias que tudo o que aparento ser, nada mais seja que uma fachada, o disfarce perfeito que me permite misturar com as pessoas ditas normais.
Vê para além das minhas retinas, lá bem fundo no mais escuro e recôndito canto da minha mente, e faz-me crer que não tens suores frios por pensar que um dia, aquele único pilar que me faz parecer são, vai ruir e vou tornar-me no que realmente sou, no que realmente sempre fui destinado a ser. Um monstro sem remorsos nem sentimentos. Uma sombra, sem apegos nem afectos.
Olhas-me lá de longe, tentando imaginar o que se estará a passar na minha cabeça naquele momento e alivias-te quando tenho uma atitude normal. Regojizas-te quando concluis que ainda não chegou a altura, mas continuas a espreitar, a temer, como um médico olha desconfiado para o seu paciente louco, esperando a qualquer momento um ataque.
Sei que o fazes, embora ainda não o tenhas dito. Vejo-o nos teus olhos, assim como tu vês nos meus que a linha entre a sanidade e a loucura, entre a paz e o monstruosismo, no meu caso, torna-se mais fina e frágil a cada dia que passa.
Tu sabes-lo e eu sei-o. Tu temes esse facto e eu também. Não quero ser um monstro, mas por vezes dou por mim a sê-lo. Não quero ser uma sombra, mas por vezes dou por mim a ser posto de parte.
Mas é o que sou, o que fui talhado para ser ao longo do tempo. Sempre mantendo a fachada, sempre fazendo crer que nada do que me aconteceu foi suficientemente forte para me traumatizar ou me mudar.
A verdade é que abri um armazém escuro, pútrido e bolorento, escondido no buraco mais fundo da minha consciência, no qual fui depositando e acumulando os golpes que me foram desferidos. Sempre pensando que estavam bem longe de tudo, apenas perto de mim. Confiante de que nunca ninguém veria para além da minha máscara de sanidade.
Mas não tu, não é? És muito inteligente para isso e foste-me descobrindo com o passar do tempo. Foste observando e constatando que as sombras e a escuridão começam a ser cada vez mais frequentes na minha cabeça e que onde antes havia algum cinzento que cobria o descernimento, agora há uma completa negridão, exterminando toda e qualquer luz, toda e qualquer razão.
Sim, o dia deve estar próximo, embora lute com todas as minhas forças para afastar a minha verdadeira essência.
Olha-me nos olhos e diz que não tenho razão. Vê para além de toda e qualquer aparência e tenta perceber a dor que me transformou neste monstro.