domingo, julho 14, 2013, posted by # 7 at 01:59





Não dá para parar. Quanto mais não seja, de pensar. Pensar no que fiz, no que parecia ter passado para sempre e continua a assombrar-me, a fazer-me voltar ao que pensava já ter passado.

O passado que assombra, que persiste e insiste em me fazer continuar nesta demanda sem nexo, sem objetivo, sem razão de ser.

Tal como um animal selvagem, um dia senti o sabor do sangue e desde logo fiquei fascinado pelo poder que me conferiu, pela sensação de plenitude que se espalhou por todo e qualquer canto da minha alma.

No primeiro dia foi como que se tivesse passado para o outro lado da minha existência.
Tudo o que considerava normal foi subitamente posto em causa. Senti a boca seca, o céu estava negro, algo dentro de mim se movimentava, vibrava e impulsionava-me para um local onde nunca imaginaria ir.
As recordações são como que flashes repentinos, imagens rápidas de vermelho e negro, cheiros intensos, sabor a ferrugem.

Os cortes precisos, a delicadeza na morte, a pureza dos olhos vazios de vida. Fascinante e mórbido, animalesco e meticuloso, estranho e, no entanto tão normal e acolhedor.

Naquelas noites em que saía sem destino traçado, esperando apenas pela oportunidade de encontrar quem me satisfizesse, tudo se resumia a conseguir isso mesmo, satisfação.
Uma após outra vez, homem, mulher, criança, idoso, humano, animal....... A vibração da lâmina a penetrar, a violar a carne, era o meu orgasmo, o meu êxtase.
Uma e outra vez, saboreando todos os movimentos, sentindo todos os odores, absorvendo todos os gritos, gemidos e por fim, suspiros finais.
Todo o ritual me conferia o poder supremo de ser Deus por um breve momento, pois eu era, eu fui e continuo a ser quem decide como tudo vai acabar.
O sabor metálico do sangue.......o calor da carne que se desvanece e dá lugar à rigidez fria.

Fui me movendo, de local para local, terra para terra, vida para vida, para que não deixasse transparecer um padrão.
Por vezes voltei ao mesmo local. Não por saudades, não por afinidades, apenas para tentar iludir quem andava atrás de mim.

Continuei a circular até ao dia em que parei à frente do espelho durante horas a fio, tentando descortinar quem era eu afinal. Um monstro? Um animal? Não. Simplesmente era, sou mais um ser-humano. Sedento de sangue, de destruição, de dor, de ódio, de tristeza. 

E sou triste na minha demanda. Odeio tudo no meu caminho. Saboreio o sangue dos meus "atropelamentos", sinto a dor de ter que viver.

As estrelas lá em cima ardem e queimam-me com a sua intensidade.
O olhar reprovador de todos os que passam por mim fazem-me sentir enraivecido a cada minuto que passa.

Tentei parar, mas não consigo. Quando estou acordado vejo tudo em tons de vermelho escuro e negro. Quando durmo sinto o calor da carne a abrir pela minha mão, pela minha lâmina.

E agora aqui estou, a querer desesperadamente desistir de tudo isto, de ter finalmente uma vida "normal", de andar na rua e ver para além do sangue e do ódio.
No entanto, enquanto penso nisto, estou em cima de ti, do que resta de ti. Olhando para os teus olhos vazios, sentindo os pedaços de ti a enrijecerem a cada minuto que passa, lambendo sofregamente o sangue que escorre de ti.

Simplesmente, não consigo parar. 
Hoje foste tu, amanhã, bem, amanhã terei que procurar por ti novamente.
 
Emanuel Simoes

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