quinta-feira, abril 19, 2007, posted by # 7 at 23:54

Ao acordar olhou para o tecto e viu o candeeiro do bambi a baloiçar gentilmente ao ritmo de uma pequena corrente de ar que provinha de uma brecha aberta da janela do seu quarto.
A respiração da sua irmã bebé, ainda que diminuta, fazia-se ouvir naquele silêncio sepulcral.
Ao olhar para o berço da menina, as molas já algo velhas da sua cama rangeram e foi aí que ele se apercebeu do erro cometido. O ruído acordou a sua mãe que dormia com o amante enquanto o pai estava fora em trabalho.
De repente, como que se de um vendaval se tratasse, a mãe do rapaz cavalgou pelo quarto dentro, acordando inclusive a sua pequena irmã.
A única coisa de que ele se lembra antes de sentir a dor dos punhos da sua própria mãe contra a sua face, é do seu roupão a abrir revelando-lhe os seios desnudados de alguém que pernoitou nu. A seguir, apenas os gritos animalescos, as ofensas, o choro do bebé que não percebia o que se passava. Depois, depois a dor, as mazelas de mais um espancamento enquanto o seu pai ausente de nada desconfiava.
A partir daí, todos os dias o rapaz acordava com medo de fazer barulho e com todos os cuidados se levantava e se dirigia para o corredor de sua casa, onde permanecia até que todos tivessem acordado e saído para as suas vidas.
Não eram raras as vezes em que a porta de casa era trancada por fora de modo a evitar alguma saída inesperada.
Se a casa ardesse? Se houvesse um tremor de terra? Azar. O importante era conter algum instinto mais liberal do rapaz.
A partir daí, o hobby do menino era sentar-se no corredor encostado a uma parede a contemplar as persianas meio fechadas da cozinha de sua casa e tentar imaginar o que se passava no mundo lá fora, observando as diversas sombras que alternavam ao ritmo da passagem das horas. Nos dias chuvosos, o cinzento predominante da rua enchia-lhe a alma de tristeza.
Ainda assim, nem todos os dias ele conseguia alcançar o corredor sem produzir algum tipo de barulho, o que obviamente proporcionava mais espectáculos de violência.
A solidão tornou-se a sua melhor amiga e companheira, já que o pai estava longe e a mãe apenas queria gozar a vida.
Aquele corredor sombrio junto à porta trancada tornou-se no seu refúgio.
 
1 Comments:


At 4 de julho de 2007 às 23:39, Anonymous Anónimo

É curioso que só agora consiga perceber um pouco melhor, mas nunca falaste comigo, nem eu nunca achei que tive espaço para tentar saber. No entanto, essa menina também cresceu e também passou por muito, muita coisa que ainda hoje a faz chorar, que ainda a magoa e deita por terra tanta vez. Na mente da menina que chorava sem entender o porquê, hoje em dia continua a chorar pelo mesmo motivo. Tanta vez foi também espancada e agredida verbalmente, que ainda hoje acha que qualquer pessoa é melhor que ela, que não tem capacidade sequer de ter amigos com A grande. A única coisa que lhe dá alento é o seu próprio filho, é quem lhe dá esperanças e força para ver que o passado já lá vai, embora esteja tantas vezes no presente.
E sabes o que me entristece mais? É não entender como dois irmãos se conhecem e se dão tão pouco, quando podiam ser mais que um simples "Olá, tudo bem?" - No fundo, a menina cresceu, mas continua a chorar.

 


Emanuel Simoes

Criar seu atalho