Ao acordar olhou para o tecto e viu o candeeiro do bambi a baloiçar gentilmente ao ritmo de uma pequena corrente de ar que provinha de uma brecha aberta da janela do seu quarto.
A respiração da sua irmã bebé, ainda que diminuta, fazia-se ouvir naquele silêncio sepulcral.
Ao olhar para o berço da menina, as molas já algo velhas da sua cama rangeram e foi aí que ele se apercebeu do erro cometido. O ruído acordou a sua mãe que dormia com o amante enquanto o pai estava fora em trabalho.
De repente, como que se de um vendaval se tratasse, a mãe do rapaz cavalgou pelo quarto dentro, acordando inclusive a sua pequena irmã.
A única coisa de que ele se lembra antes de sentir a dor dos punhos da sua própria mãe contra a sua face, é do seu roupão a abrir revelando-lhe os seios desnudados de alguém que pernoitou nu. A seguir, apenas os gritos animalescos, as ofensas, o choro do bebé que não percebia o que se passava. Depois, depois a dor, as mazelas de mais um espancamento enquanto o seu pai ausente de nada desconfiava.
A partir daí, todos os dias o rapaz acordava com medo de fazer barulho e com todos os cuidados se levantava e se dirigia para o corredor de sua casa, onde permanecia até que todos tivessem acordado e saído para as suas vidas.
Não eram raras as vezes em que a porta de casa era trancada por fora de modo a evitar alguma saída inesperada.
Se a casa ardesse? Se houvesse um tremor de terra? Azar. O importante era conter algum instinto mais liberal do rapaz.
A partir daí, o hobby do menino era sentar-se no corredor encostado a uma parede a contemplar as persianas meio fechadas da cozinha de sua casa e tentar imaginar o que se passava no mundo lá fora, observando as diversas sombras que alternavam ao ritmo da passagem das horas. Nos dias chuvosos, o cinzento predominante da rua enchia-lhe a alma de tristeza.
Ainda assim, nem todos os dias ele conseguia alcançar o corredor sem produzir algum tipo de barulho, o que obviamente proporcionava mais espectáculos de violência.
A solidão tornou-se a sua melhor amiga e companheira, já que o pai estava longe e a mãe apenas queria gozar a vida.
Aquele corredor sombrio junto à porta trancada tornou-se no seu refúgio.